Intervenção de Carlos Matias na Conferência Nacional 2022
Porque somos de esquerda, valorizamos o coletivo em que cada um e cada uma não pode, não deve abdicar de pensamento próprio, delegando-o num qualquer pequeno comité de gurus que falam muito bem, mas que como se vê pelos resultados eleitorais, já acertam muito pouco.
É óbvio, que tanta derrota eleitoral seguida não pode ser apenas resultado das conjunturas, ou das circunstâncias.
Porquê?
Porque já tivemos bons resultados eleitorais em anteriores e idênticas circunstâncias de bipolarização, por exemplo. Por outro lado, no final do ano, houve quem votasse a favor do Orçamento (o PAN) e acabasse penalizado eleitoralmente. E a tal onda de direita que varrerá a Europa e também nos terá arrastado para o fundo, pelos vistos fracassou em França, perante a clareza e a radicalidade de Mélenchon.
Temos mesmo de ir ao fundo da questão. O que, de há anos para cá, foi corroendo a intervenção do Bloco levando à perda drástica de representação, foi a colocação da necessidade de um acordo com o PS como elemento central da nossa proposta política.
A geringonça foi uma boa solução na conjuntura muito particular de 2015. Primeiro estranhou-se. Mas, depois entranhou-se progressivamente como linha política estratégica e como fio de prumo do nosso discurso
Esse foi um erro estratégico que uma Convenção tem de alterar rapidamente
A subordinação da nossa intervenção à imperativa necessidade de um acordo de incidência governamental com o PS levou-nos a centrar a intervenção no Parlamento, a subvalorizar a intervenção do partido nos locais e nas regiões, a menosprezar o trabalho sindical e até o apoio a lutas importantes. Aliás, há camaradas que, perante as dificuldades, já teorizam que os sindicatos estão ultrapassados e estão fatalmente na mão do PCP.
O voto contra o Orçamento PS em 2021 foi correto. Mas apareceu como incoerente perante a insistência num acordo com o PS, o partido que o havia proposto.
Pior ainda: o geringoncismo entranhado levou o secretariado nacional a abafar a democracia interna, esmagando a bem ou a mal qualquer voz dissonante da linha oficial. Perante a natural diferença de opiniões impôs-se o livre arbítrio do secretariado
É preciso alterar o rumo estratégico do Bloco e estatuariamente tal só poderá ser feito numa Convenção – esse ponto alto de uma democracia interna de alta intensidade e participação.
Camaradas
As ideias e as palavras podem ser mais ou menos mobilizadoras e o namoro ao PS como se viu mobiliza muito pouco. Pelo contrário.
Mas não basta mudar agora o discurso, mantendo as mesmas práticas de direção, somando-lhes agora apelos à unidade. E partindo de um balanço superficial ninguém acredita numa verdadeira alteração de estratégia.
Para ajudar o nosso povo a enfrentar as enormes dificuldades que já vive, mais as que aí virão, precisamos urgentemente de um Bloco de Esquerda vivo, incorporando e valorizando todas as suas sensibilidades e diversas mundivisões.
Para a mobilização social contra a austeridade e o empobrecimento, na luta por melhores salários e pensões --- na oposição frontal ao governo do PS, enfim, precisamos de um Bloco democrático, sem donos da verdade, nem linhas oficiais, sem perseguições internas, nem camaradas marginalizados. Todas e todos fazem falta.
Essa era a matriz inicial do Bloco que precisa de ser resgatada. Que tem de ser resgatada.
Esta Conferência poderá ser um passo nesse sentido