CCD aprova moção politica sobre OE2020
Das últimas eleições legislativas resultou uma correlação de forças mais desfavorável à esquerda. Daí, o PS ter apresentado uma proposta de OE para 2020, sem prévias negociações com os partidos da anterior maioria parlamentar, apenas admitindo algumas cedências na especialidade e desde que não comprometam o essencial do seu próprio programa.
É, portanto, evidente que o ciclo político iniciado com os entendimentos conseguidos no âmbito da anterior maioria parlamentar terminou. O PS, na presente legislatura, apesar de não ter obtido maioria absoluta, entende que consegue alinhamentos de geometria variável que lhe permitirão governar sem estabelecer compromissos à esquerda.
Na proposta de OE2020, em vez de objetivos sociais e económicos de desenvolvimento, são objetivos financeiros que comandam e determinam todo o diploma. Em 2015 colocava-se como objetivo relançar a economia e o emprego para superar a austeridade. Em 2020, o objetivo passa a ser a obtenção de um saldo primário superior a 3%, qualquer coisa como mais de 6 mil milhões de euros, e um excedente orçamental que passa os 500 milhões de euros.
Com estes objetivos, o Governo opta pelos baixos salários e por baixas pensões e por um baixo nível de investimento público com graves consequências na qualidade dos serviços públicos, desde logo no SNS.
As condições de acesso às reformas ficam mais difíceis pelo aumento da idade da reforma, não retira a penalização para as reformas com 40 anos de descontos e 60 de idade, a justiça fiscal não progride porque recusa reintroduzir os escalões no IRS (retirados no tempo da troika), não enfrenta a crise habitacional, nem toma medidas decisivas para a transição energética e agroecológica, para o combate às alterações climáticas e à desertificação.
O Bloco de Esquerda tomou a decisão de se abster na votação na generalidade do OE2020, para manter “aberto um processo negocial com o Governo” e para “tornar possível esse debate na especialidade”. Não há, contudo, qualquer compromisso de viabilização na votação final global. Esta depende do que o PS ceder --- e já se percebeu não estar disponível de ir além de uma migalhas.
No quadro atual, trocar o programa próprio do Bloco de Esquerda por umas migalhas é defraudar quem votou BE nas recentes eleições legislativas. Além disso, alimentaria ilusões numa inexistente maioria parlamentar de esquerda --- numa “nova geringonça” ---, enfraquecendo a combatividade dos movimentos sociais e abrindo novos terrenos à extrema-direita
Nestas circunstâncias, a Coordenadora Distrital de Santarém pronuncia-se no sentido de que, no Parlamento, em votação final global, o Bloco de Esquerda deverá votar contra um Orçamento de Estado de que não resulte:
- Revisão das leis laborais que, pelo desequilíbrio que mantêm na relação entre trabalho e patronato, são decisivas para que os salários se mantenham baixos e a precariedade elevada, apesar da descida da taxa de desemprego.
- Atualização salarial digna para a Função Pública, por forma a repor o poder de compra dos trabalhadores ao nível existente antes da intervenção da troica;
- Aumento extraordinário nas pensões, assegurando pelo menos o nível mínimo de sobrevivência;
- Atualização do salário mínimo para 850 euros;
- Alteração do regime de trabalho por turnos com benefício na contagem do tempo para a reforma;
- Restabelecimento do número de escalões do IRS existente antes da intervenção da troica e seu ajustamento à inflação real;
- Fortalecimento do SNS e concretização do investimento em novos equipamentos já previstos no anterior Orçamento;
- Regulamentação do Estatuto e medidas de apoio às pessoas cuidadoras informais, em vez do esvaziamento da Lei;
- Construção pública de cem mil casas para arrendar a partir de 150 euros e reabilitação de metade dos 120 mil fogos de habitação social;
- Reordenamento florestal e apoio efetivo à criação de unidades de gestão florestal associativas ou cooperativas.
O PS só não negociará estas medidas com a esquerda se não quiser. O Bloco já demonstrou estar disponível para negociar, mas não poderá aceitar um OE em que algumas migalhas sirvam para justificar um grande recuo perante os seus próprios compromissos com os eleitores/as.
A chantagem de uma crise política só poderá reforçar a determinação da esquerda em não ser capturada. A extrema-direita espreita essa oportunidade. O PR não pode dissolver o Parlamento até 2021. Até lá não se coloca sequer a possibilidade de eleições antecipadas. Qualquer solução terá de ser encontrada no atual quadro parlamentar e o PS tem de ser confrontado com as suas próprias opções.
O voto contra o OE2020 marcará essa exigência da esquerda, caso um PS não maioritário insista na arrogância estratégica de querer descartar, de facto, a defesa do trabalho, dos direitos sociais e do combate à emergência climática.
Santarém, 24 de janeiro de 2020
A CCD de Santarém do BE